3 de jul. de 2014

A missão de plantar igrejas

Por Ronaldo Lidório 
O apóstolo Paulo, mais do que qualquer outro, observou a necessidade de não apenas evangelizar, mas plantar igrejas locais que vivam Cristo e falem do Seu Nome. Paulo usa as expressões plantar (1 Co 3.6-9; 9.7,10,11),lançar alicerces (Rm 1.20, 1 Co 3.10) e dar a luz (1 Co 4.15) ao se referir ao plantio de igrejas.
É da natureza da igreja se multiplicar. O próprio termo usado para igrejano Novo Testamento – ekklesia – é composto pela preposição ek (para fora de) e a raiz kaleo (chamar) que, literalmente, poderia ser traduzido por chamada para fora de. Portanto, a própria terminologia nos conduz à figura de uma comunidade dinâmica, local, multiplicadora e além fronteiras.
É importante entendermos que não há forma mais duradoura de se estabelecer o Evangelho em um bairro, cidade, clã ou tribo do que plantando uma igreja local que seja bíblica, viva, contextualizada e missionária.

O plantio de igrejas se define pelo poder de Deus

A igreja plantada mais rapidamente em todo o Novo Testamento foi iniciada por Paulo em Tessalônica. Ali, o apóstolo pregava a Palavra aos sábados nas sinagogas e, durante a semana, na praça. Assim ele fez por três semanas até nascer uma igreja (At 17.2). Em 1 Ts 1.5, Paulo diz que o Evangelho não chegara até eles tão somente em palavra (logia, palavra humana), mas, sobretudo em poder (dynamis, poder de Deus), no Espírito Santo e em plena convicção (pleroforia, convicção de que estamos na vontade de Deus).
poder de Deus manifesta o próprio Deus e Sua vontade. Sem o poder de Deus, não há transformação de vida ou sociedade, a Palavra não é compreendida, e todo o esforço para plantar igrejas é reduzido a formulações estratégicas de ajuntamento e convencimento.
Espírito Santo é o segundo elemento relatado por Paulo no plantar da igreja em Tessalônica. Sua função é clara na conversão do homem conduzindo-o à convicção de que ele é pecador e está perdido; despertando neste homem a sede pelo Evangelho e atraindo-o a Jesus. Sem o Espírito Santo podemos compreender que somos moralmente imperfeitos (pecadores), mas somente o Espírito Santo nos dá convicção de que estamos perdidos e necessitamos de Deus. Sem a sua ação, a evangelização não passaria de proposta humana, explicações espirituais, palavras lançadas ao vento, sem público, sem conversões, sem atração a Cristo.
clara convicção é o terceiro elemento listado por Paulo no plantar da igreja em Tessalônica. Trata da certeza de que estamos no lugar certo fazendo a vontade de Deus, a despeito dos desafios, críticas e até mesmo falta de resultados visíveis. No plantio de igrejas, portanto, parece-me que toda a ação vem do Alto. Quanto a nós, cabe-nos assegurar que estamos no lugar certo, na hora certa, fazendo a vontade do Eterno.

O plantio de igrejas se define pela fidelidade ao Senhor

A comunicação do Evangelho jamais deve ser definida por meio daquilo que funciona, mas pelo que é bíblico (1 Ts 1.5). No plantio de igrejas, o que é bíblico não significa necessariamente grandes resultados em termos de crescimento e números.
Se observarmos os grandes movimentos de plantio de igrejas no mundo hoje, descobriremos alguns processos antibíblicos que aparecerão dentre os dez primeiros – se utilizarmos o critério de crescimento numérico e influência geográfica. A igreja do Espírito Santo em Gana, por exemplo, é um movimento de plantio de igrejas que se desenvolve rapidamente no sul daquele país e agora envia obreiros para além fronteiras com grandes resultados de multiplicação. Lembro-me que, alguns anos atrás, seu fundador escreveu uma carta para as instituições cristãs no país, convidando-as para o dia de inauguração daquele ministério e, ao fim, declarou ser, ele mesmo, a encarnação do Espírito Santo na terra. Hoje, esse é um grande e rápido movimento missionário, espalhando influência em diversos países. Nem tudo o que funciona é bíblico.
Precisamos, então, definir nosso compromisso. Somos comprometidos com Deus e Sua Revelação e não com homens ou estratégias de crescimento incompatíveis com o Senhor. Não temos a permissão de Deus para manipular os homens ou criar atalhos na proclamação do Evangelho. O plantio de igrejas, portanto, não pode se definir pelos resultados visíveis, mas sim pela obediência e fidelidade ao Senhor.
Devemos, porém, cuidar para também não sermos tomados por um orgulho anticrescimento, como se o número reduzido de convertidos no processo evangelístico com o qual estamos envolvidos fosse evidência de que, ao contrário de outros, somos bíblicos. Essa compreensão é, também, fruto de soberba e, não raramente, incoerência com os fundamentos práticos e bíblicos da evangelização. Ocorre quando falta amor pelos perdidos, disposição para a evangelização, consciência missionária e obediência às Escrituras. 

O plantio de igrejas se define pela proclamação do Evangelho

O ponto mais relevante ao lidar com a praxis do plantio de igrejas não é quão capacitado você está para pregar o Evangelho, mas o quanto você o faz (Ef 1.13). Igrejas nascem onde a Palavra de Deus operou poderosamente, o que enfatiza a importância essencial da proclamação do Evangelho no processo de plantar igrejas.
Conversando com um recém-convertido no Peru, onde havia uma boa equipe missionária com o alvo de plantar igrejas, perguntei por que as pessoas não estavam vindo para Cristo, especialmente tendo em mente um número expressivo de missionários trabalhando durante um longo período. Rapidamente ele respondeu: "Creio que é porque as pessoas não ouvem o Evangelho". Então percebi que, apesar da excelente liderança presente, bom sistema de comunicação por satélite, obrigatoriedade de relatórios trimestrais e uma ótima estrutura de cuidado pastoral, a equipe missionária simplesmente não falava de Jesus. Como ouvirão se não há quem pregue? (Rm 10.14).

Um alvo, diferentes estratégias

Pensemos na estratégia de Paulo para plantar igrejas. Em Antioquia da Pisídia, ele iniciou o evangelismo a partir da sinagoga, pregando aos judeus. Eles ficaram tão impressionados que convidaram os missionários a voltarem na outra semana (At 13.13-48). Em Icônio, a mensagem comunicada na sinagoga não convenceu a maioria. Paulo e Barnabé foram, então, usados por Deus, manifestando sua graça através de milagres e maravilhas (At 14.1-4). Em Listra, não há referência de Paulo pregando na sinagoga. Usado por Deus para a cura de um homem, Paulo fez desse momento uma ponte para pregar o Evangelho a toda uma multidão (At 14.8-18). Em Tessalônica, Paulo pregava na sinagoga aos sábados e na praça durante a semana. Historicamente, ele se postava na petros, um suporte de pedra à saída do mercado, para anunciar diariamente a Palavra do Senhor para os que por ali passavam (At 17.1-14).
Portanto, encontramos no ministério de um só homem, em uma mesma geração, diferentes abordagens e estratégias de evangelização e plantio de igrejas. Paulo fala a multidões, mas também visita de casa em casa. Ele prega aos judeus na sinagoga, mas também o faz fora do templo. Utiliza praças e mercados, jamais deixando de proclamar às multidões, mas se devota a indivíduos para discipulá-los e treiná-los para a liderança local. Devemos primeiramente compreender que não há estratégias fixas para a proclamação do Evangelho, apenas princípios fixos.
No modelo paulino de plantio de igrejas, podemos observar que as principais estratégias utilizadas foram:
- Introduzir-se na sociedade local, a partir de uma pessoa receptiva, de ou um grupo aberto a recebê-lo e ouvi-lo;
- Identificar ali o melhor ambiente para a pregação do Evangelho, seja público, como uma praça, ou privado como um lar;
- Evangelizar de forma abundante e intencional, a partir da Criação ou da Promessa, e sempre desembocando em Cristo, sua cruz e ressurreição;
- Expor a Palavra, sobretudo ela. Expor de tal forma que seja ela inteligível e aplicável para quem ouve;
- Testemunhar do que Cristo fez em sua vida;
- Incorporar rapidamente os novos convertidos à igreja, à comunhão dos santos, seja em uma casa, ou um agrupamento maior;
- Identificar líderes em potencial e investir neles, seja face a face, ou por cartas;
- Não se distanciar demais das igrejas plantadas, visitando-as e se comunicando com as mesmas, investindo no ensino das Escrituras;
- Orar pelos irmãos, pelas igrejas plantadas e pelos gentios ainda sem Cristo, levando as igrejas também a orar;
- Administrar as críticas e competitividade, sem permitir que tais atos lhe retirem do foco evangelístico;
- Utilizar a força leiga e local para o enraizamento e serviço da igreja;
- Investir no ardor missionário e responsabilidade evangelística das igrejas plantadas.

Elementos essenciais no plantio de igrejas

Nos últimos 20 anos, tenho tido o privilégio de lidar com o plantio de igrejas em contextos áridos, seja pela resistência ao Evangelho, falta de liberdade para pregá-lo ou barreiras linguísticas e culturais. É certo que em terrenos áridos uma diversidade de ações e estratégias deve fazer parte de nossa iniciativa no plantio e multiplicação de igrejas. Há, porém, alguns elementos essenciais que não podem faltar.
Oração - Há ampla ligação entre o despertamento para a oração e o plantio de igrejas; entre avivamentos históricos e avanço missionário. Esses elementos estão presentes nos principais movimentos de plantio de igrejas e antecedem cada processo. Wesley Duewel nos diz que o maior privilégio que Deus dá a você é a liberdade para aproximar-se dele a qualquer tempo. Esta é uma parte da missão que, além de essencial, pode ser praticada por todos. Patrick Johnstone relata que quando o homem trabalha, o homem trabalha; quando o homem ora, Deus trabalha. Devemos orar por uma pessoa, família, bairro, cidade, tribo ou nação até que Deus atenda.
Intencionalidade - A ausência de uma intenção clara e objetiva de plantar igrejas talvez seja a maior barreira para que isso aconteça. Apesar do nascimento de igrejas a partir de ações não intencionais, a maioria das igrejas plantadas, sobretudo em lugares áridos, é estabelecida de forma intencional: há um grupo orando, planejando e trabalhando com este alvo específico. David Hesselgrave afirma que 75% das igrejas plantadas em lugares onde não há igrejas nasceram a partir de ações intencionais.
Oportunidade - No plantio de igrejas, nossas ações não devem ser mensuradas pelo número de oportunidades que temos, mas por quantas oportunidades são aproveitadas. Igrejas são, em geral, plantadas onde as oportunidades são mais bem aproveitadas. A oração mais recorrente nos lábios de um plantador de igrejas é: 'Abre os olhos do meu coração'.
Teologia - A fidelidade à Palavra é um dos elementos essenciais no plantio de igrejas. Há muitas estratégias de movimento de massa que são funcionais, entretanto não são bíblicas. David Hesselgrave alerta-nos: Nem todo novo pensamento é dirigido pelo Espírito. Nem tudo o que é novo é necessariamente bom. A Bíblia é antiga, o Evangelho é antigo e a Grande Comissão é antiga...
Continuidade - Poucas igrejas são plantadas em um período inferior a três anos em contexto nacional e seis anos em contexto transcultural. É necessário que, neste período, haja constância na presença, evangelização, discipulado, ajuntamento dos crentes e treinamento de líderes. Boa parte dos projetos de plantio de igrejas é abortada pela descontinuidade, seja da presença de plantadores ou de ações de discipulado.
Prática - Se você é um plantador de igrejas, as práticas que mais devem consumir seu tempo e atenção são: relacionamento com o povo, abundante evangelização, discipulado dos novos na fé, ajuntamento dos convertidos, treinamento bíblico de líderes e multiplicação. Em um contexto transcultural, deve-se acrescentar o aprendizado da língua, cultura e adaptação. Nenhuma tecnologia missionária substitui o poder da comunicação pessoal do Evangelho, o qual foi abundante e pessoalmente comunicado em cada período de expansão de plantio de igrejas, de forma criativa, fiel e constante.
Planejamento - Uma boa pesquisa e organização do projeto de plantio de igrejas são elementos que não podem faltar nesta iniciativa. O planejamento deve incluir uma visão clara, alvos específicos, ações a serem desenvolvidas, um bom cronograma e detalhamento das estratégias.
Liderança local.- Todo amplo movimento de plantio de igrejas que se tornou regionalmente duradouro contou com um forte envolvimento de pessoas locais desde a primeira fase. O investimento em nativos, passando-lhes a visão, paixão e estratégias, garantirá um processo de plantio de igrejas que vá além do missionário ou evangelista.
A reprodução de igrejas plantadas em uma segunda fase, idealisticamente, deve ser feita através dos frutos e não da raiz do movimento. Nesta etapa, o plantador de igrejas já deve estar assumindo uma posição na supervisão da visão e encorajamento, e não de linha de frente. Igrejas plantadas devem plantar igrejas! O modelo missionário para se plantar uma igreja que sugiro é: inicie, discipule, reproduza, assista, encoraje e parta.
Durante nosso ministério entre os Konkombas de Gana tivemos a oportunidade de atuar na evangelização e plantio de igrejas. Uma família – do presbítero Mebá, primeiro convertido naquela região – foi, de fato, o grupo usado por Deus para espalhar o Evangelho de Cristo. A partir da primeira igreja plantada – na aldeia de Koni, onde morávamos –, tínhamos o desafio de evangelizar e plantar igrejas em outras aldeias.
Em lugar de investirmos mais tempo apenas nas ações de expansão, demos atenção especial aos primeiros convertidos. Usamos um modelo de discipulado em que não fazíamos nada sozinhos. Fosse orar por um enfermo, evangelizar uma família ou aconselhar uma pessoa, em tudo levávamos um ou mais dos novos convertidos conosco. Ao longo de dois anos fizemos isto e, assim, aqueles 15 primeiros convertidos tiveram uma boa oportunidade de aprender das Escrituras e participar da missão da igreja. Hoje há 47 outras igrejas plantadas, além da igreja de Koni, e em praticamente todas elas houve participação de algum destes 15 primeiros convertidos. Investir em pessoas é bíblico e funcional.

Conclusão

Ashbel Green Simonton, em seu sermão Os meios necessários e próprios para plantar o Reino de Jesus Cristo no Brasil, em 1867, expõe cinco pontos necessários para a evangelização. Primeiramente, ele nos diz que é necessário ter vida santa, pois na falta desta pregação os demais meios não hão de ser bem sucedidos. Em segundo lugar, ele defende a distribuição de literatura bíblica como livros, folhetos e a própria Bíblia, pois a imprensa é a arma poderosa para o bem. Em terceiro lugar, a pregação individual, pois cada crente deve comunicar ao vizinho ou próximo aquilo que recebe. Em quarto lugar, ele menciona o chamado ministerial, a pregação por pessoas designadas e ordenadas para esse encargo. Por fim, expõe a necessidade do estabelecimento de escolas para os filhos dos membros das igrejas, em uma iniciativa social e de preocupação familiar.
Não há projeto mais duradouro e transformador do que este: pregar o Evangelho de Cristo, plantando igrejas que transformam vidas. Esta é a nossa missão.

Ronaldo Lidório é missionário, pastor, teólogo e escritor